domingo, 5 de agosto de 2007

An Inconvenient Truth (2006)


An Inconvenient Truth” é a versão cinematográfica de uma palestra que Al Gore tem vindo a fazer não só nos Estados Unidos, mas também na Europa e Ásia, apresentando dados científicos sobre o escalar da crise climática, alertando para o aquecimento global, de uma forma clara, rigorosa e motivadora.

Ainda que esta abordagem possa supor uma plataforma para a campanha presidencial de 2008, é demasiado fácil e redutor desviar o foco deste filme do seu tema central. Até porque o filme tem o mérito de fazer de Gore apenas um veículo, o emissor de uma mensagem que muita gente se tem recusado a escutar e mesmo a entender. O mesmo Gore, citando Upton Sinclair refere que não é possível fazer alguém entender algo quando o seu salário está dependente do facto de não o entender.

Com efeito, durante o seu serviço governamental, Gore foi sempre um apoiante das políticas ambientais. E desde que perdeu as eleições presidenciais de 2000 para George W. Bush, Gore focou os seus esforços nesta luta. Gore não é um cientista, mas o seu estudo exaustivo do tema permite-lhe explicar os factos científicos a leigos sem necessidade de os simplificar exageradamente, e fá-lo racionalmente e de uma forma acessível, metódica, lúcida, apelativa e com humor.

A sua crítica à administração Bush, no entanto, não deixa de estar presente. Algo que seria inevitável dado o seu comportamento autista relativamente às estratégias internacionais, nomeadamente no que se refere à recusa de assinatura (à semelhança da Austrália) do Protocolo de Kyoto referente à limitação das emissões de gases poluentes. Apesar disso, muitas cidades americanas estão, a título individual, a tomar medidas em consonância com o mesmo. O tom de esperança é reforçado pelo comentário de Gore: “Na América, a vontade política é um recurso renovável.”

Mas para Gore o colapso planetário é um assunto ético e moral, e do seu empenho pessoal nesta missão transparece uma paixão que nenhuma das suas campanhas políticas tinha insinuado - talvez porque o assunto é bastante mais sério.

Com a ajuda de um clip de Matt Groening, criador dos Simpsons, Gore inicia a sua apresentação explicando o efeito de estufa criado pelas emissões de dióxido de carbono (CO2), que conduzem a temperaturas atmosféricas mais elevadas, induzindo o degelo de glaciares, a alteração das correntes, a subida do nível médio das águas e a potenciação de tempestades.

Os principais contribuidores para essas emissões de CO2 são os combustíveis fósseis e a queima das florestas (não só as tropicais), aos quais se deve acrescentar o impressionante aumento populacional a que o planeta foi sujeito desde a passada geração. Por ser um fenómeno gradual não quer dizer que não esteja a suceder, e porque as implicações mais graves não sucederão no nosso tempo de vida, é fácil ignorá-las, evitando pensar em que condições deixaremos este planeta aos nossos descendentes.

Gore desfaz também o falso mito da mútua exclusividade entre eficiência económica e a preservação do planeta. Por exemplo, os construtores de carros americanos estão actualmente a perder dinheiro, uma vez que o facto dos seus automóveis não respeitarem os padrões ambientais impede que os mesmos sejam vendidos em outros países, incluindo a China. A recusa de associar determinados comportamentos humanos / económicos a claras consequências ambientais está fortemente correlacionada com os cheques que muitos pseudo-especialistas recebem dos lobbies petrolíferos.

A verdade é inconveniente, especialmente ao (grande) bolso de uns poucos. Mas perante a simulação gráfica dos efeitos do degelo de metade da Gronelândia, submergindo grande parte da superfície costeira dos vários continentes (onde se inclui Xangai, Calcutá, Manhattan), percebemos que filmes como “The Day After Tomorrow” não são puramente ficcionais, especialmente se pensarmos na elevada concentração populacional destas áreas.

O realizador Davis Guggenheim constrói “An Inconvenient Truth” com filmagens da palestra, e com gráficos e dados usados na mesma. Mas, por qualquer razão, achou (na minha opinião equivocadamente) que isso não seria suficiente para agarrar a atenção do espectador. Por isso, optou por introduzir segmentos biográficos de Gore, onde momentos de séria gravidade parecem querer emprestar mais credibilidade ao homem. Tendo em conta a profunda e evidente dedicação de Gore a esta causa, esta “humanização” era desnecessária.
An Inconvenient Truth” merece ser visto como um argumento científico, político e moral para que o mundo, e nomeadamente os Estados Unidos, modifiquem a sua atitude na luta contra o aquecimento global. A mensagem de Gore é urgente mas sem alarmismo, com esperança mas sem complacência. Espero - sinceramente - que filmes como este contribuam para combater a desinformação. “An Inconvenient Truth” pode não ser o filme de maior entretenimento deste final de Verão, mas é, sem dúvida, um dos mais importantes. 7/10


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